Rasgar novos horizontes na medicina tradicional chinesa
Revista Macau
Edição nº 106
O Granulado Shao Yao Gan Cao é produzido nas instalações da Guangdong-Macao Pharmaceutical Co., Ltd. (Foto: Direitos Reservados)
Parceria entre Macau e Hengqin tem estimulado o desenvolvimento do sector da medicina tradicional chinesa nas duas regiões (Foto: Direitos Reservados)
O Centro da Promoção de Marcas de Macau é responsável pela supervisão dos selos de certificação “Produzido sob Supervisão de Macau”, “Fabricado sob Supervisão de Macau” e “Design de Macau” (Foto: Direitos Reservados)
Selos de certificação “Produzido sob Supervisão de Macau”, “Fabricado sob Supervisão de Macau” e “Design de Macau” (Foto: Direitos Reservados)
Artigos produzidos em Hengqin com certificação de Macau (Foto: Direitos Reservados)
A Guangdong-Macao Pharmaceutical Co., Ltd., em Hengqin, fabrica medicamentos registados em Macau por encomenda (Foto: Direitos Reservados)
The Youtube video is unavailable
Já está disponível no mercado o primeiro composto de medicina tradicional chinesa fabricado em Hengqin pré-autorizado a ostentar a certificação “Produzido sob Supervisão de Macau”. Trata-se de mais um passo visando aproveitar as complementaridades entre as duas regiões e acelerar o desenvolvimento mútuo da medicina tradicional chinesa
Texto Viviana Chan
O nome é complicado: Granulado Shao Yao Gan Cao. É baseado numa receita consagrada no tratado de medicina tradicional chinesa “Shanghan Lun”, datado da dinastia Han Oriental (25 d.C. a 220 d.C.), amplamente usada na prática clínica tradicional chinesa para aliviar espasmos musculares e dores abdominais. No entanto, há algo mais que torna o produto, fabricado na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, especial: trata-se do primeiro artigo oficialmente pré-autorizado a utilizar o selo “Produzido sob Supervisão de Macau”. A pré-certificação – inédita – chegou ainda na primeira metade do ano: espera-se agora que, em breve, outros produtos de medicina tradicional chinesa sigam este modelo.
A Guangdong-Macao Pharmaceutical Co., Ltd., subsidiária da entidade responsável pelo Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau, é a empresa que produz o Granulado Shao Yao Gan Cao. Fá-lo por encomenda da China Resources Sanjiu (Macau) Ltd., ligada à China Resources Sanjiu Medical & Pharmaceutical Co., Ltd., uma das maiores farmacêuticas na China.
De acordo com o Instituto para a Supervisão e Administração Farmacêutica de Macau (ISAF), esta primeira pré-certificação relativa ao selo “Produzido sob Supervisão de Macau” simboliza um passo significativo na implementação do modelo “Registo em Macau + Produção em Hengqin”. Trata-se de um “impulso concreto” no que toca ao desenvolvimento do sector local da medicina tradicional chinesa, sublinha o ISAF, em respostas enviadas à Revista Macau.
Segundo o Instituto, anteriormente, os compostos de medicina tradicional chinesa só podiam requerer a utilização do selo “Produzido sob Supervisão de Macau” após completarem o registo formal na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). No entanto, fruto de articulação entre o ISAF e os serviços congéneres da Zona de Cooperação, foi introduzida uma medida de flexibilização: mediante a apresentação de prova documental de que o pedido de registo na RAEM foi formalmente submetido, o composto pode já ser disponibilizado com o selo “Produzido sob Supervisão de Macau” na embalagem.
Parceria entre Macau e Hengqin tem estimulado o desenvolvimento do sector da medicina tradicional chinesa nas duas regiões (Foto: Direitos Reservados)
De acordo com o ISAF, esta medida inovadora está ancorada numa aplicação flexível do Regulamento Provisório para a Gestão das Marcas de Hengqin: após a obtenção de pré-autorização para a utilização do selo, as empresas continuam obrigadas a entregar às autoridades da Zona de Cooperação a documentação complementar relativa à conclusão do registo oficial do produto em Macau. Este modelo de “aprovação paralela com rotulagem antecipada” de que beneficiou o Granulado Shao Yao Gan Cao oferece uma referência prática para outros produtos que venham a seguir o mesmo caminho, é sublinhado pelo Instituto.
Mais beneficiários na calha
O desenvolvimento da medicina tradicional chinesa faz parte dos objectivos tanto de Macau como da Zona de Cooperação. O “Plano de Desenvolvimento da Diversificação Adequada da Economia da RAEM (2024–2028)”, divulgado em 2023, adopta uma estratégia de “1+4”, com o turismo e lazer como sector basilar, apoiando o desenvolvimento de quatro áreas industriais consideradas prioritárias, entre as quais está o sector da “big health” de medicina tradicional chinesa. O “Plano Geral do Desenvolvimento para a Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin (2022-2035)”, aprovado pelo Conselho de Estado também em 2023, reflecte esta lógica, com enfoque em quatro “novas indústrias” que seguem de perto as da RAEM – entre estas, está a medicina tradicional chinesa e outras indústrias de marcas de Macau.
É neste contexto que, segundo o ISAF, o modelo “Registo em Macau + Produção em Hengqin” está a atrair um número crescente de empresas. De acordo com o Instituto, já foram recebidos 11 pedidos de registo associados a este modelo, abrangendo fórmulas de medicina tradicional chinesa clássicas e medicamentos inovadores, entre outros produtos.
“Três pedidos já foram aprovados pela entidade reguladora de Macau, sendo o Granulado Shao Yao Gan Cao um deles”, refere o ISAF. “As restantes candidaturas estão em processo de aprovação e o Instituto está a aguardar que os requerentes forneçam as informações adicionais necessárias para a avaliação. Assim que essas informações forem recebidas, a autoridade farmacêutica concluirá a avaliação o mais rapidamente possível.”
O Centro da Promoção de Marcas de Macau é responsável pela supervisão dos selos de certificação “Produzido sob Supervisão de Macau”, “Fabricado sob Supervisão de Macau” e “Design de Macau” (Foto: Direitos Reservados)
De acordo com o ISAF, o modelo “Registo em Macau + Produção em Hengqin” permite capitalizar de forma conjunta os recursos de Macau e Hengqin. O Instituto explica que a Zona de Cooperação “oferece capacidade industrial, que compensa as limitações de espaço e recursos humanos de Macau, enquanto a RAEM aporta vantagens institucionais e científicas”. Plataformas como o Laboratório de Referência do Estado para Investigação de Qualidade em Medicina Chinesa, estabelecido conjuntamente pela Universidade de Macau e pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, bem como o Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau, na Zona de Cooperação, “promovem uma articulação entre indústria, academia e investigação, possibilitando a conversão efectiva de resultados científicos em aplicações concretas”, é referido.
O ISAF defende que o modelo “reforça a competitividade da indústria de medicina tradicional chinesa nas duas regiões”, sendo ideal para empresas do Interior da China interessadas em “estabelecer entidades em Macau e recorrer à produção em Hengqin”. Nesse sentido, o Instituto aponta que a entrada em vigor na RAEM, em 2022, da “Lei da actividade farmacêutica no âmbito da medicina tradicional chinesa e do registo de medicamentos tradicionais chineses” estabeleceu uma base legal para a internacionalização do sector, criando um regime normativo próprio e incentivando a certificação local segundo boas práticas de fabrico.
O plano das autoridades passa por construir uma rede de mercados voltada para os países de língua portuguesa e para os estados-membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Por outro lado, há a intenção de participar activamente em fóruns internacionais, com o objectivo de “reforçar a comunicação e cooperação com entidades reguladoras internacionais”.
O ISAF diz estar apostado em apoiar uma estratégia de “integração interna e abertura externa”, aproveitando as políticas favoráveis do Governo Central para a RAEM. “Queremos que a medicina tradicional chinesa de Macau beneficie mais pessoas em todo o mundo”, é sublinhado pelo organismo.
Impulsionar a “big health”
O Centro da Promoção de Marcas de Macau, uma entidade privada não empresarial gerida pela Direcção dos Serviços de Assuntos Comerciais da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, é responsável pela supervisão do selo de certificação “Produzido sob Supervisão de Macau”, a que se somam outros dois: “Fabricado sob Supervisão de Macau” e “Design de Macau”. O Centro tem como missão fomentar o desenvolvimento de marcas com características de Macau e promover a diversificação adequada da economia da RAEM.
Selos de certificação “Produzido sob Supervisão de Macau”, “Fabricado sob Supervisão de Macau” e “Design de Macau” (Foto: Direitos Reservados)
Em resposta à Revista Macau, a entidade revela que, desde a entrada em vigor do sistema de selos de certificação, em Maio do ano passado, quatro empresas foram autorizadas a utilizar estes selos, num total de 15 produtos, incluindo o Granulado Shao Yao Gan Cao, estando os restantes artigos ligados também ao sector da “big health”. O objectivo é, no futuro, expandir o uso do selo a novas áreas, como dispositivos médicos, cosméticos e até produtos criativos, reforçando sinergias entre Macau e Hengqin.
Cada um dos três selos inclui no seu design três línguas: chinês, português e inglês, explica o Centro. A identidade visual foi concebida por Lao Wa Chi, reconhecido designer da RAEM, combinando um forte cunho local com um posicionamento internacional.
De acordo com o organismo, os requisitos gerais de candidatura à certificação dos três tipos de selo cobrem diversos aspectos. Em termos de elegibilidade, o requerente deve ser uma empresa de Macau ou uma empresa de capitais de Macau estabelecida em Hengqin, cuja actividade abranja produtos de medicina tradicional chinesa, área alimentar ou suplementos alimentares. O artigo deve ser manufacturado em Hengqin e incluir um valor acrescentado mínimo de 30 por cento. No que toca aos critérios de qualidade, o produto deve estar em conformidade com as normas aplicáveis em Macau e nos destinos de venda.
Artigos produzidos em Hengqin com certificação de Macau (Foto: Direitos Reservados)
De acordo com o Centro, o caso do Granulado Shao Yao Gan Cao ilustra o impacto positivo que pode ter a pré-autorização para utilização do selo “Produzido sob Supervisão de Macau”. “O Centro disponibiliza proactivamente os seus serviços para ajudar as empresas a concluírem o registo dos seus produtos de uma só vez, encurtando o tempo de registo e reduzindo os custos operacionais. Esta prática administrativa tornou-se um modelo de referência para o desenvolvimento do modelo ‘Registo em Macau + Produção em Hengqin’”, é referido pelo organismo.
Segundo o Centro da Promoção de Marcas de Macau, a implementação do sistema de selos de certificação está a impulsionar a formação de um novo ecossistema industrial baseado no binómio “Marca de Macau + Produção em Hengqin”. O organismo sublinha que esta abordagem não só contribui para a diversificação adequada da economia da RAEM, como também fortalece a integração industrial no âmbito da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.
A Guangdong-Macao Pharmaceutical Co., Ltd., em Hengqin, fabrica medicamentos registados em Macau por encomenda (Foto: Direitos Reservados)
Parceira estratégica
A Guangdong-Macao Pharmaceutical Co., Ltd., responsável pela produção do Granulado Shao Yao Gan Cao, pretende estabelecer-se como uma plataforma estratégica no campo da indústria de medicina tradicional chinesa em Hengqin. Estabelecida em 2016, apresenta-se como sendo a única farmacêutica na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin que cumpre os requisitos para fabrico por encomenda de medicamentos registados em Macau.
Wang Dan, presidente e directora-geral da empresa, revela à Revista Macau que, até Junho deste ano, a Guangdong-Macao Pharmaceutical Co., Ltd. já tinha prestado serviços a várias farmacêuticas chinesas de grande dimensão, através das suas subsidiárias em Macau. Segundo a responsável, “11 farmacêuticas do Interior da China de renome já criaram filiais em Macau e 12 fórmulas diferentes foram produzidas em lotes-piloto, todos sujeitos a testes rigorosos e em conformidade com os padrões exigidos pelas entidades contratantes”.
O caso de comercialização do Granulado Shao Yao Gan Cao é considerado de importância estratégica. Para Wang Dan, representa “um avanço significativo na integração Macau-Hengqin no contexto da internacionalização da medicina tradicional chinesa e uma concretização bem-sucedida do modelo de desenvolvimento conjunto ‘Medicina de Macau, Fabricada em Hengqin’”.
Recentemente, as autoridades da Zona de Cooperação actualizaram as medidas de apoio à indústria biomédica e de “big health”. Wang Dan afirma que as novas disposições relativas à criação de plataformas de serviços industriais são particularmente benéficas para a Guangdong-Macao Pharmaceutical Co., Ltd.: “Com o apoio destas políticas, já prestámos serviços a mais de 20 empresas da Zona de Cooperação e de Macau.”
A responsável acrescenta: “Por um lado, beneficiamos directamente enquanto plataforma de serviços; por outro, os clientes de Hengqin que recorrem aos nossos serviços podem obter subsídios.” Wang Dan destaca que, “num horizonte imediato, estas políticas reduzem substancialmente os custos operacionais das empresas”, e, a longo prazo, promovem a concentração de projectos e a formação de economias de escala, optimizando o ecossistema industrial da biotecnologia e da medicina tradicional chinesa na Zona de Cooperação”.