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NaTerra, modelo de sustentabilidade através da formação

Revista Macau
Edição nº 90
  • Um dos focos da associação naTerra é a organização de acções de formação junto de jovens timorenses (Foto: Direitos Reservados)

  • Projecto agro-ecológico de turismo comunitário de Taliforleu, uma das iniciativas lancadas pela associação em Timor-Leste (Foto: Direitos Reservados)

  • A associação naTerra foi criada em Macau por um grupo de cinco jovens (segundo a contar da esquerda, André Madeira; centro, Fernando Madeira) (Foto: Direitos Reservados)

  • O banco de sementes Germinando Sementes foi criado em 2011 (Foto: Direitos Reservados)

  • Actividade de agro-turismo de debulha do arroz segundo métodos tradicionais (Foto: Direitos Reservados)

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A associação naTerra foi criada por jovens de Macau para, através da promoção de técnicas de agricultura sustentável, estimular o desenvolvimento em Timor-Leste. A formação é a aposta principal do grupo que, nos últimos anos, se reinventou. Hoje, é uma organização não-governamental timorense. As actividades da naTerra já terão beneficiado, directa ou indirectamente, mais de oito mil pessoas

Texto Marta Melo

Há mais de uma década que a associação naTerra, criada em Macau em 2008 por um grupo de cinco jovens, trabalha com a comunidade timorense. A ideia de um projecto comunitário foi sendo alimentada por Fernando Madeira “desde os tempos de escola, em Macau”, onde cresceu. Timor-Leste acabou por ser o destino escolhido depois da declaração de independência do país, em 2002. “Em vez de irmos fazer o que quer que fosse na Tailândia, faria muito mais sentido Timor, por causa das raízes que temos, da ligação, da proximidade e também pela necessidade”, recorda.

Patrícia Pereira, André Madeira, Hugo Oliveira e Vera Piteira eram os restantes membros da associação, que teve Macau como “o ponto de encontro”. “Dos cinco, três tinham crescido em Macau”, assinala Fernando Madeira, actual vice-presidente da naTerra.

Foi em Baucau que a associação começou por se instalar com a missão de criar um centro demonstrativo de educação para o desenvolvimento sustentável. Na missão da naTerra, recorda André Madeira, está a criação de modelos de agricultura sustentável, adaptados à realidade e à capacidade de Timor-Leste. Um dos exemplos que dá desses modelos é “a criação de jardins” com plantas úteis e comestíveis integrados em espaços públicos, como escolas ou centros de organizações locais. Outra referência é “a maximização da produção alimentar em zonas rurais”, com recurso a técnicas “relativamente acessíveis”, de modo a que possam ser “replicadas pela população local sem necessidade de apoio externo”.

Um dos focos da associação naTerra é a organização de acções de formação junto de jovens timorenses (Foto: Direitos Reservados)
Um dos focos da associação naTerra é a organização de acções de formação junto de jovens timorenses (Foto: Direitos Reservados)

A saída de Timor-Leste por parte de quatro dos membros iniciais da naTerra deixou Fernando Madeira sozinho aos comandos da associação e tornou inevitável a sua reformulação. “Já estava enterrado em trabalho e não conseguia fazer tudo”, recorda. Em 2015, nascia a naTerra-Timor-Leste, agora como organização não-governamental (ONG) timorense.

De Ataúro a Aileu

Com uma nova equipa, mas a mesma missão, a naTerra focou-se na criação de um centro de formação na ilha de Ataúro. Um projecto, descreve Fernando Madeira, “maior e mais ambicioso” do que o primeiro, também “fruto de toda a aprendizagem” adquirida ao longo dos anos.

Para este centro, a associação contou com parceiros de peso: a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla inglesa), agência especializada das Nações Unidas, e a ONG global Conservação Internacional. O financiamento chegou através de verbas disponibilizadas pelo Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul, ao qual as três organizações se candidataram em conjunto. “A naTerra, sendo uma organização minúscula comparada com estes gigantes, tinha metade do valor para criar o centro. Eles dedicavam-se mais à formação, a criar manuais, por exemplo”, assinala Fernando Madeira.

As actividades da naTerra têm-se centrado em diversas áreas, da agricultura à aquacultura, da conservação dos solos e da água à produção de produtos naturais. O agro-turismo é também uma aposta. Nesta área, destaca-se o projecto agro-ecológico de turismo comunitário de Taliforleu, no município de Aileu, a cerca de 40 quilómetros de Díli, capital de Timor-Leste. 

Segundo Fernando Madeira, uma preocupação é que as acções de formação tenham uma componente prática forte. “Quando vamos dar formação em aquacultura, criamos lagos, com peixes”, exemplifica.

Projecto agro-ecológico de turismo comunitário de Taliforleu, uma das iniciativas lancadas pela associação em Timor-Leste (Foto: Direitos Reservados)
Projecto agro-ecológico de turismo comunitário de Taliforleu, uma das iniciativas lancadas pela associação em Timor-Leste (Foto: Direitos Reservados)

O presidente da associação, Leovogildo Belarmino, estima em mais de 600 os participantes nas formações em permacultura – de promoção de práticas agrícolas sustentáveis – e nas acções nas escolas levadas a cabo pela naTerra. Outras 1220 pessoas terão beneficiado directamente dos projectos envolvendo o grupo e sete mil de forma indirecta. “O resultado não é contabilizado em dinheiro, mas em acções, usando recursos locais e conhecimento locais, valorizando o lado humano e a vida sustentável do povo”, salienta. 

As comunidades desfavorecidas são o principal destinatário das actividades da naTerra, razão pela qual a associação se tem instalado em locais mais remotos em Timor-Leste. Como foi o caso na ilha de Ataúro: “O sítio que arrendámos era um terreno de dois hectares que não tinha nada. Não tinha água. Não tinha electricidade”, recorda Fernando Madeira. Mesmo o acesso só era possível por um trilho, numa caminhada de até quatro horas, ou de barco.

Além das mulheres, a ONG tem centrado o trabalho nos jovens, por serem mais abertos à mudança. “Os jovens e as crianças estão cheios de vontade e cada vez mais, com o acesso à internet, vêem muitas coisas que acontecem lá fora e têm muito mais motivação. E passa por eles, obviamente, o destino do país”, sustenta o vice-presidente.

A pandemia da COVID-19 foi, no entanto, um travão às actividades. Em especial em Ataúro: “Estávamos a dar formação em hospitalidade, para ensinar como receber turistas, quando se dá a COVID-19. Ficou tudo em ‘águas de bacalhau’”, lamenta Fernando Madeira.

Resultados positivos

Neste percurso da naTerra em Timor-Leste, é unânime que os resultados são positivos e visíveis. Para Fernando Madeira, uma prova que as pessoas absorvem o que lhes é ensinado são as fotografias que muitos enviam depois à associação do que estão a fazer nas suas casas e lugares. “É muito inspirador e o objectivo foi sempre o de servir de modelo”, conta. 

Actividade de agro-turismo de debulha do arroz segundo métodos tradicionais (Foto: Direitos Reservados)
Actividade de agro-turismo de debulha do arroz segundo métodos tradicionais (Foto: Direitos Reservados)

Já Leovogildo Belarmino, que está com a naTerra desde 2009, inicialmente como voluntário, diz também ver “muitas mudanças na mentalidade da comunidade”, como a “menor dependência em relação a algumas técnicas” mais arcaicas. Outro resultado, diz, é as comunidades conseguirem ser auto-suficientes em termos alimentares. 

Actualmente a viver na Austrália, ao olhar para o caminho feito pela naTerra, André Madeira considera “bastante positivos” os resultados alcançados em Timor-Leste. Além de sublinhar que se tratou de um projecto pioneiro, argumenta que a naTerra “teve também um impacto social nas comunidades locais ao fortalecer as pontes de ligação com organizações internacionais”, tendo servido para “quebrar preconceitos” quanto às intenções e gestão destas ONG. E acrescenta: “Organizações como a naTerra são uma excelente influência para Timor, pela forma como se integram na cultura timorense e fortalecem as comunidades locais”.

O papel da associação com as comunidades é também destacado por Jonathan Kempeneer que, em 2011, se juntou ao grupo como voluntário. “Aprendemos as necessidades essenciais, por meio do próprio estilo de vida e da experiência, enquanto vivemos nessas comunidades.” Para Kempeneer, “é aqui que outros falham: fornecer tempo e vontade para não apenas implementar, mas também monitorizar e ajustar quando necessário”.

Papel “fundamental” de Macau

Olhando para o que foi construído pela naTerra em Timor-Leste, André Madeira considera que “Macau teve um papel fundamental”. Foi no território que o grupo se conseguiu financiar inicialmente: tal incluiu um apoio do Governo local. “O fundo com que viemos para Timor era quase metade proveniente do Governo de Macau”, assinala Fernando Madeira.

A associação naTerra foi criada em Macau por um grupo de cinco jovens (segundo a contar da esquerda, André Madeira; centro, Fernando Madeira) (Foto: Direitos Reservados)
A associação naTerra foi criada em Macau por um grupo de cinco jovens (segundo a contar da esquerda, André Madeira; centro, Fernando Madeira) (Foto: Direitos Reservados)

Com as mudanças dos últimos anos na naTerra, o actual vice-presidente reconhece que o projecto ganhou autonomia face às raízes em Macau. “Fazia mais sentido focarmo-nos aqui e tentarmos delinearmo-nos mais aqui”, explica.

Ainda assim, as relações entre Macau e Timor-Leste, no entender de André Madeira, facilitaram a integração do grupo na comunidade timorense. “Visto que Macau é carinhosamente associado a Timor por factores históricos e culturais, isso beneficiou a forma como fomos recebidos e deu à naTerra maior abertura”, explica. E não é o único a sentir a importância desta ligação histórica: “É sempre um orgulho quando digo que sou de Macau, do Colégio D. Bosco. Sou logo recebido com um irmão”, atira Fernando Madeira. 


O banco de sementes Germinando Sementes foi criado em 2011 (Foto: Direitos Reservados)
O banco de sementes Germinando Sementes foi criado em 2011 (Foto: Direitos Reservados)

Banco de sementes com chancela de Macau

Uma das iniciativas da associação naTerra em Baucau foi a criação de um banco de sementes. Foi criado em 2011 com a ajuda da associação Global Village, de Macau, e, “até ao momento, continua a ser o único” em Timor-Leste, sublinha Fernando Madeira.

O objectivo do Germinando Sementes foi o de criar um banco de sementes e um viveiro de árvores de fruto, “para serem distribuídas pelas comunidades”, explica o vice-presidente da naTerra.

No estabelecimento do Germinando Sementes ficou definido que, ao fim de cinco anos, o projecto se tornaria independente e auto-suficiente. “Acreditamos que as organizações, mesmo sendo organizações sem fins lucrativos, devem procurar a sua própria forma de gerir fundos para não estarem constantemente dependentes de fundos exteriores, o que, às vezes, faz com que os projectos morram ou não tenham continuidade”, explica Fernando Madeira.

Com os anos, a amplitude do projecto foi alargada e hoje é também “uma quinta pedagógica, um centro de pesquisa de plantas e árvores”. Entre as actividades desenvolvidas, Fernando Madeira destaca a criação de animais de forma integrada, a vermicompostagem (processo de transformação de desperdícios alimentares em adubo com a ajuda de minhocas) e a aquacultura. Foi igualmente introduzida a componente do agro-turismo.

“Tornou-se também num projecto que foi recebendo voluntariado de todo o mundo, de forma formal – por exemplo, através do Serviço de Voluntariado Europeu – e informal”, conclui. 


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