Uma das prioridades da Art for All Society é promover a arte contemporânea junto do público de Macau (Foto: Art For All Society)
Edição de 2021 do Salão de Outono da AFA (Foto: Art For All Society)
Alice Kok Tim Hei, presidente da Art for All Society (Foto: Art For All Society)
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Os números não enganam: em 15 anos de existência, a Art For All Society organizou mais de uma centena de exposições, mantendo actualmente cerca de 70 membros activos. A associação, criada em 2007, é uma das principais plataformas do território de promoção da arte contemporânea
Texto Catarina Brites Soares
A Art For All Society (AFA), grupo dedicado à promoção das artes em Macau, está a celebrar 15 anos de existência. Vários artistas locais reconhecem o papel da associação no desenvolvimento das respectivas carreiras. Já os fundadores defendem que a AFA tem cumprido a meta mais importante a que se propôs aquando do seu lançamento: promover criadores locais dentro e fora de Macau.
“Essa foi a principal motivação para criar a associação”, frisa a artista Bianca Lei Sio Chong, uma das pessoas que esteve na origem da AFA. Os também artistas James Chu Cheok Son, Konstantin Bessmertny, Tong Chong, Kent Ieong Chi Kin e Noah Ng Fong Chao foram os restantes fundadores, a quem alimentou o sonho de criar uma entidade que projectasse os talentos de Macau e lhes garantisse mais oportunidades. Assim nasceu a AFA em 2007 – uma associação sem fins lucrativos dedicada à arte contemporânea.
“O objectivo foi muito claro desde o início: ajudar e apoiar artistas, e desenvolver o sector em Macau”, reforça James Chu, antigo presidente da associação. Exposições, debates, seminários e promoção de nomes locais a nível internacional eram as linhas mestras. “A AFA, enquanto entidade aberta e independente, não tem comparação com qualquer outra associação”, defende o artista, que liderou o grupo durante seis anos. Actualmente, a presidência é assegurada pela também artista Alice Kok Tim Hei (ver entrevista nestas páginas).
Konstantin Bessmertny defende que a AFA é a associação do meio artístico mais dinâmica da cidade. A prova, fundamenta, é que os seus membros expõem com regularidade na Ásia e no resto do mundo. “Está no mapa como destino obrigatório dos que vêm a Macau e querem ver algo contemporâneo. É um espaço para os artistas locais estabelecidos, mas também um ponto de partida para os novos talentos que estão a dar os primeiros passos”, vinca o pintor russo, radicado em Macau há várias décadas e um dos nomes mais sonantes do panorama cultural local.
O ilustrador Eric Fok Hoi Seng, que faz parte da geração de artistas locais cujo início de carreira já beneficiou da existência da AFA, confirma. “Deu-me muitas oportunidades quando comecei. Além das mostras em Macau, também me abriu as portas a eventos internacionais. A par disso, foi ainda um meio para conhecer outros artistas”, refere o membro da associação, agora em Taiwan, onde está a fazer um doutoramento em arte.
Uma das prioridades da Art for All Society é promover a arte contemporânea junto do público de Macau (Foto: Art For All Society)
O artista plástico José Drummond – que, não sendo fundador, assistiu ao início da AFA de perto – afirma que a entidade ocupou um espaço no panorama cultural da cidade que estava vazio. O que a define, e distingue, é o enfoque na arte contemporânea nas suas mais diversas expressões, desde a pintura à fotografia, escultura e vídeo. “A AFA veio oferecer aos artistas de Macau a oportunidade de expor em contexto de galeria”, salienta José Drummond, actualmente a viver em Xangai e que acompanhou James Chu na direcção da associação, como vice-presidente.
Chu acrescenta: “A AFA conseguiu construir uma identidade na qual os artistas e amantes de arte se revêem e acreditam. Esta partilha faz com que haja vontade de trabalhar e de crescer em conjunto”, sublinha.
“Imaginemos que a AFA não existia…”
O antigo presidente não ignora falhas, mas ressalva: “A maioria toma tudo como garantido. Imaginemos que a AFA não existia. Eu, por exemplo, certamente não teria as mesmas oportunidades para crescer, errar e comercializar os meus trabalhos”.
Paralelamente às exposições regulares que organiza na cidade, a AFA tem procurado exportar o talento de Macau. A presença em feiras de arte no Interior da China, nomeadamente em Pequim e Xangai, e no exterior foi uma constante até às actuais limitações criadas pela pandemia da COVID-19. Tóquio, Nova Iorque, Taipé, Kuala Lumpur, Singapura e Lisboa foram alguns dos destinos que ficaram a conhecer o que se faz em Macau. Na sua página electrónica, a associação orgulha-se de ter organizado mais de 100 exposições de artistas locais no território, em Pequim – onde chegou a ter uma galeria fixa – e noutras cidades.
O Salão de Outono é outro dos orgulhos da AFA. A mostra colectiva, que marca o calendário artístico anual da cidade, resulta de um processo de selecção e recolha do melhor que é produzido por artistas que trabalham e vivem em Macau.
Edição de 2021 do Salão de Outono da AFA (Foto: Art For All Society)
José Drummond realça que se conquistou muito nos primeiros anos da AFA. “Não só a galeria em Macau como a de Pequim, bem como as feiras de arte regionais de primeira linha em que se marcou presença, são disso exemplo. Hoje, a realidade é bem diferente. A liderança mudou, a realidade mudou e os desafios também mudaram. Faz parte do crescimento”, refere.
No entanto, o esforço para cumprir a missão inicial da associação, sublinha a artista Bianca Lei, continua a ser notório. “Há cada vez mais exposições e vendas por causa da AFA. Na verdade, muitos dos que mostram interesse na arte local contactam a AFA directamente”, realça.
Bianca Lei recorda que há poucos artistas profissionais em Macau: muitos têm de compatibilizar a carreira com outros empregos a tempo inteiro. “A AFA é especialmente importante para ajudar na promoção e venda de trabalhos”, detalha.
José Drummond salienta que a associação tem demonstrado grande resiliência. De espaço, mudou uma mão cheia de vezes. Agora está no Macau Art Garden, na Avenida Dr. Rodrigo Rodrigues.
“Apesar de todos os acidentes normais de percurso, tem tido lideranças fortes e apresentado um trabalho exemplar para a difusão dos artistas de Macau. Tem contribuído para o enriquecimento da oferta cultural junto de um público que não é fácil, que não estava muito sensibilizado para a arte contemporânea e que se sente que tem vindo a crescer”, afirma o artista.
“Tem deixado uma marca no panorama cultural e dinamiza-o”, defende Konstantin Bessmertny, assumindo que há sempre espaço para continuar a melhorar.
E agora?
James Chu diz que os desafios de hoje se resumem no repto que foi delineado há 15 anos. “Continuar a missão de ajudar a que os artistas de Macau cresçam e que sejam competitivos, melhorar o mercado e garantir o apoio do Governo”, enumera.
José Drummond insiste nas prioridades que afirma defender desde 1996, mas que, na sua opinião, “se revelam bastante difíceis” de concretizar. Por um lado, diz, a cena artística local só poderá evoluir com o surgimento de galerias de arte privadas e comerciais. Por outro, o reconhecimento dos artistas locais no exterior deve passar por acções de intercâmbio regional e internacional, acrescenta. Por fim, diz o artista, é necessária uma forte aposta em Macau no ensino superior especializado no campo das artes.
A estas prioridades, Bianca Lei soma outras que devem nortear o futuro da AFA. A aposta na promoção a nível internacional é a mais relevante a curto e médio prazo. “É importante sair de Macau e aproveitar mais oportunidades lá fora. Organizar mostras online e promover os artistas locais através da internet podem ser alternativas atendendo ao contexto presente”, sugere, em alusão ao impacto da COVID-19 nas viagens internacionais.
“Tenho a certeza que a maioria dos artistas quer que o seu trabalho seja valorizado e recordado”, afirma Eric Fok. “Para isso, é fundamental que haja esforço individual, que tem de ser combinado com diversas forças externas. Essas forças devem ter um conhecimento do mundo da arte e permitir que o público a compreenda, e ajudar a ampliar a rede artística da cidade, para que mais obras possam ser exportadas. O ideal é sempre estar num palco maior.”
James Chu deixa o desejo que a AFA cumpra esta e outras metas e prospere, como até aqui. “Enquanto fundador, espero que continue a crescer e a renovar-se. Pode ir muito longe, sem prazo ou restrição geográfica.”
Alice Kok Tim Hei, presidente da Art for All Society (Foto: Art For All Society)
“Somos a ponte entre a Arte e o Todos”
A presidente da Art for All Society (AFA) defende que a associação tem cumprido a sua missão. Prova disso, sublinha Alice Kok Tim Hei, é a carreira que a própria construiu enquanto curadora e artista. A líder, já no terceiro mandato, quer que a AFA contribua para que Macau afirme a sua identidade no processo de integração na Grande Baía
A Art for All Society (AFA) faz 15 anos. Está satisfeita com o caminho percorrido?
A AFA foi criada com o propósito de ser uma plataforma para os artistas se profissionalizarem. Ter feito carreira como curadora e artista é uma das provas de que tem cumprido a missão.
Que função tem a associação e o que a distingue de outras?
A AFA desempenha sobretudo um papel no âmbito da curadoria, especializada na arte contemporânea. Não só oferecemos aos artistas uma galeria e recursos para realizarem exposições, como asseguramos a curadoria dos trabalhos.
O que priorizam?
Enquanto presidente, tenho a responsabilidade de definir um plano anual, que depois é submetido para obtenção de apoios públicos. Valorizamos a qualidade. A arte não é só para um, mas para todos, no nosso caso. Com base nesta premissa, concebemos as exposições tendo em conta uma conjuntura mais ampla, que considera os contextos social, cultural e económico, na qual nos afirmamos como uma das entidades artísticas mais representativas da região. Vamos ao encontro dos artistas antes mesmo de eles virem ao nosso. Promovemos encontros, discutimos trabalhos, aconselhamos, acompanhamos e encorajamos, de forma a que tenham oportunidades de mostrarem o que fazem. A AFA é a maior associação de arte contemporânea em Macau. Tem cerca de 70 membros activos. Distinguimo-nos de outras associações culturais mais tradicionais, porque nos dedicamos à arte contemporânea, com predominância para as artes visuais.
Quais foram as grandes conquistas da AFA nestes 15 anos de existência?
A mais importante foi tornar-se numa entidade que serve os artistas e a arte. AFA conquistou um lugar e construiu uma reputação em que vinga a consistência na apresentação de trabalhos de valor. O nosso esforço na curadoria é a nossa maior conquista. Os artistas precisam de um ambiente profissional no qual as suas obras possam ser apresentadas com o ângulo e abordagem correctos, para que tenham o devido apreço, e possam gerar discussão e impacto na sociedade. Nós somos a ponte entre a Arte e o Todos.
E quais os desafios que enfrentaram?
A tendência desactualizada de olhar a arte como uma forma de entretenimento é o nosso maior desafio. O público em geral é mais sensível a prazeres e realizações imediatas como a comida, turismo, produtos de beleza e programas de televisão, em vez de actividades como visitar um museu ou uma galeria de arte – espaços onde se reflecte a Humanidade.
Quais as dificuldades que destaca actualmente?
A maior tem que ver com a recessão económica generalizada que vivemos, atendendo à pandemia e restrições ao turismo, que veio agravar o desafio que mencionei antes. As verbas disponíveis para a cultura e arte são menores. É indiscutível que são necessárias mais transparência e reformas [nos apoios à arte], mas, durante este período de mudança, decisões menos sensíveis podem dificultar a sobrevivência de associações não lucrativas como a nossa.
Como assim?
A arte e a cultura não podem ter como fim o lucro rápido – se é que o podem ter de todo. Os sectores cultural e artístico são portas de reflexão, que permitem conceber e criar novos caminhos para um futuro diferente. Sabemos que o jogo não pode ser a única resposta [para o futuro de Macau]. Como tal, está na hora de considerar mais vias. A arte e a cultura são o caminho. Dito isto, importa ressalvar que a AFA está entre as associações que tem conseguido sobreviver graças ao apoio do Governo.
Quão importante tem sido a AFA para os artistas e o desenvolvimento do sector?
Os artistas vêm à AFA para debater, receber uma opinião profissional e apresentar o que fazem com uma abordagem curatorial consistente. A AFA é o trampolim para se lançarem e contextualizarem o seu trabalho. É como um grande navio, onde podem entrar e definir-se – respeitamos e encorajamos a identidade de cada um –, que os leva a outras paragens.
Quais são as principais ambições?
Sobreviver como uma entidade singular em Macau e no exterior, sobretudo na região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Vivemos momentos críticos em que as culturas regionais se fundem e temos de nos assegurar que, nesse processo, as qualidades identitárias não desaparecem. O desenvolvimento económico depende também de um ambiente cultural vibrante. Macau, com a AFA, tem potencial para afirmar a nossa identidade artística, que é única, e criar uma região e um futuro maiores. C.B.S.
Instituto Cultural garante apoio à arte
Questionado sobre a importância da Art For All Society a nível local, atendendo ao 15.º aniversário do grupo, o Instituto Cultural (IC) responde que são várias as associações que contribuem para o desenvolvimento das artes no território. “O IC manifesta satisfação pela perseverança e paixão dedicada por cada uma na organização contínua de actividades, desempenhando um papel profícuo e activo na oferta de diferentes plataformas de exposição artística, na formação e apoio de talentos locais, assim como na sua promoção”, sublinha.
O organismo público releva que, com o objectivo de incentivar o desenvolvimento das mesmas entidades, promove diversas acções, entre as quais colaborações e disponibilização de espaços para actividades. “O IC, através da cooperação com diversas associações artísticas e culturais, visa organizar exposições, criando um ambiente de arte em Macau e promovendo, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das artes e da cultura populares.”