A vida das mulheres com quem Tracy Choi se cruza são uma fonte de inspiração do seu trabalho como realizadora de cinema. A caminho está a sua terceira longa-metragem com foco no assédio sexual, cujo projecto lhe valeu um prémio na mais recente edição do Festival Internacional de Cinema de Macau
Surpresa é o sentimento que se apodera de Tracy Choi quando sabe que ganhou mais um prémio. A última vez que o nome da realizadora de 30 anos foi chamado a palco não teve muito tempo: na última edição do Festival de Cinema Internacional de Macau (IFFAM), Choi recebeu o prémio do Mercado de Projectos do IFFAM com Lost Paradise, um projecto que quer contar casos de assédio sexual no grande ecrã.
“No caso do Lost Paradise foi mesmo surpreendente a vitória porque ainda é tão embrionário o projecto. Pensei mesmo que outro filme ia vencer”, confessa a realizadora.
A figura discreta e a voz dócil da cineasta nascida em Macau opõem-se à forte dimensão dos seus projectos criativos. A figura feminina tem sido o objecto de trabalho de Choi desde que se formou em Produção Cinematográfica pela Universidade de Shih Hsin, em Taiwan, e que então lhe têm valido reconhecimento internacional.
A sua história, mas sobretudo as histórias das mulheres com quem se cruza, têm sido a sua fonte de inspiração. I’m Here foi o primeiro filme em Macau a abordar os relacionamentos lésbicos e Choi não teve receio de quebrar tabus. Estávamos em 2012 quando a realizadora fez perceber que tinha vindo para “despertar” a audiência para temas sensíveis que afectam a vida feminina.
Sisterhood
O filme venceu o Prémio do Júri da secção Macau Indies do Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Macau e fez ainda parte do alinhamento do Festival Internacional Lésbico e Feminista de Paris, França.
Nos entretantos, Choi dividiu a vida entre Macau e Hong Kong para poder tirar um mestrado em Produção Cinematográfica na Universidade de Artes Performativas de Hong Kong. Trabalhou como assistente de realização em pequenas produções como anúncios publicitários e vídeos musicais.
Em 2016, surgiu a sua primeira longa-metragem, Sisterhood, resultado de um guião que escreveu para a tese. A jovem realizadora pegou no que ouvia a sua mãe contar de uma Macau mais antiga, inspirou-se numa história de uma massagista e mãe solteira e transformou isso numa nova vida no grande ecrã.
Graças ao filme, Tracy Choi subiu ao palco da primeira edição do IFFAM recebendo o Prémio da Escolha do Público, mas o elenco também levou o nome de Sisterhood a eventos de renome internacional, arrecadando prémios nos festivais de cinema de Hong Kong, Osaka (Japão) e no Interior do País. “A reacção do público ao meu trabalho é bastante positiva, mas as pessoas ainda estão muito habituadas a ver o clássico filme em que a mulher se apaixona pelo homem perfeito”, afirma.
O tráfico humano foi o tema escolhido para a sua segunda longa metragem. Ina – actualmente em pós-produção – conta a história de uma menina-mulher que cresce num ambiente disfuncional que lhe limita as escolhas. O filme foi filmado 90 por cento em Macau, algo que Tracy também faz questão de imprimir nos seus trabalhos: imagens da cidade.
A importância das escolhas e da afirmação pessoal são pedras basilares para Tracy Choi. A jovem de Macau soube que fazer filmes era o seu caminho, sem receios de abordar qualquer temática. O apoio para seguir este trilho veio, naturalmente, de uma mulher: a sua mãe. “A forma como ela vê a vida nas diferentes perspectivas, ajudou-me muito neste caminho.”
Hoje, colabora com vários realizadores em outros trabalhos como é o caso da recém-estreada longa-metragem Hotel Império, do realizador português Ivo Ferreira, e lecciona no Instituto Politécnico de Macau.
Ina
Mas a sua cabeça para projectos originais não pára. Tracy Choi afirma que “o campo feminino é fértil em histórias para contar”. “Apesar de já haver várias realizadoras mulheres a abordarem temas exclusivamente femininos na Ásia, não há tantas assim”, sublinha confessando que por vezes ser original “não é tarefa fácil”.
Em 2019, com os 15 mil dólares (cerca de 120 mil patacas) arrecadados no prémio do IFFAM, Tracy Choi com o seu projecto Lost Paradise avança assim na busca de um argumentista para dar forma a um caso de abuso sexual que irá encher o grande ecrã. “A história não é centrada em quem comete os crimes mas na vítima e no que esta sente depois”, explica.
A temática surge numa altura em a revelação de casos de assédio sexual, nomeadamente no local de trabalho, tem vindo a ter grande voz por todo o mundo através do movimento #MeToo, lançado nas redes sociais em 2017.