A e B abriram e exploravam juntos uma clínica em Macau, que foi autorizada a aderir ao Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde, lançado pela DSS. Em 2020 ou anteriormente, A e B angariaram C para desempenhar o cargo de médico de medicina tradicional chinesa na clínica, desde então, A, B e C exploravam juntos essa clínica. A partir do ano 2018, o Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde passou a distribuir os vales de saúde por via electrónica, podendo os beneficiários, apenas com o bilhete de identidade de residente permanente de Macau, ir à consulta médica nas clínicas que aderiram ao Programa e pagar as despesas da consulta médica com os vales de saúde electrónicos. Em 2020, muitos residentes de Macau ainda não tinham utilizado integralmente as comparticipações vincendas do Programa com o prazo até 30 de Abril de 2020. Para obter benefício ilegítimo, designadamente, para obter para a clínica as comparticipações, A, B, C e D, responsável duma farmácia chinesa, chegaram a acordo, mediante distribuição de tarefas e cooperação, com a tentação de troca de produtos gratuitos de mariscos secos e diversos na farmácia chinesa de D, induziam os residentes que não tinham intenção de usar comparticipações para entregar a D os seus próprios documentos de identificação ou de outrem sem que se submetessem a consulta médica, e depois, D remetia os documentos à clínica explorada por A, B e C, de forma a facultar declarar falsamente à DSS, com esses documentos de identificação, que os titulares foram à consulta médica de C e pagaram com os vales de saúde electrónicos. Ao mesmo tempo, os titulares conseguiam adquirir por troca produtos de mariscos secos na farmácia chinesa em causa. A, B e C também chegaram a acordo com um indivíduo desconhecido duma outra farmácia chinesa, obtiveram fraudulentamente as comparticipações da mesma maneira. Conhecendo do caso, o TJB condenou A, B e C pela prática em co-autoria material de 2 crimes de burla, p. e p. pelo art.º 211.º, n.º 1, do Código Penal, e de 2 crimes de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo art.º 251.º, n.º 1, em cúmulo jurídico, em pena de prisão única de 1 ano cada, com execução suspensa por 2 anos; condenou D pela prática em co-autoria-material de 1 crime de burla, p. e p. pelo art.º 211.º, n.º 1, do Código Penal, e de 1 crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo art.º 251.º, n.º 1, em cúmulo jurídico, em pena de prisão única de 7 meses, com execução suspensa por 2 anos.
Não se conformando, B, C e D recorreram para o TSI, defendendo que os factos dados provados pelo Tribunal a quo eram insuficientes para a decisão e havia erro notório na apreciação da prova, além disso, D pugnou pela contradição na fundamentação do Tribunal a quo.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso. No tocante ao “crime de uso de documento de identificação alheio”, os recorrentes suscitaram a questão da lacuna no apuramento da matéria de facto, resultante na insuficiência para a decisão, uma vez que o Tribunal a quo não apurou quem e de que forma remeteu à clínica os bilhetes de identidade em questão, nem quem usou os bilhetes para operar as contas de vales de saúde e os devolveu à farmácia chinesa. A esse respeito, o Tribunal Colectivo salientou que, a pretensão dos recorrentes obviamente traduz-se em reconhecimento ou não do preenchimento dos requisitos subjectivos e objectivos do tipo legal de crime, sendo uma questão jurídica, mas não reside na impossibilidade da aplicação adequada do Direito, decorrente da falta de apreciação de lacuna dos factos assentes próprios, pelo que, o recurso não procede nesta parte. A par disso, relativamente ao alegado erro notório na apreciação da prova, os recorrentes fundaram-se na insuficiência da prova da sua participação na actividade ilegal de uso de vales de saúde para levantamento de dinheiro, entretanto, neste aspecto, não passa de análise com os seus próprios argumentos inconvincentes, que consideram deviam ter sido admitidos pelo Tribunal a quo, e invocar umas “possibilidades” para questionar a convicção do Tribunal, tudo isso afigura-se manifestamente improcedente. No que concerne à questão da contradição na fundamentação da decisão recorrida, suscitada por D, o Tribunal Colectivo indicou que, a norma do art.º 400.º, n.º 2, alínea b), do CPP refere-se à contradição na fundamentação probatória na matéria de facto, entre os factos dados assentes pelo tribunal ou entre os factos provados e não provados, a qual tem que ser absoluta e não pode assentar nos factos alegadamente controvertidos que versem sobre ideias diversas ou nos factos que respectivamente evidenciem matérias diferentes. Após análise, o Tribunal a quo não incorre em contradição na fundamentação, antes, sim, o recorrente interpretou erradamente o sentido literário real da sentença do Tribunal a quo.
Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo do TSI em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença do Tribunal a quo.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 238/2024.